Entrevistado o Dr. Affonso Ribeiro, tradicional pecuarista e figura ilustre da sociedade lageana. Ele próprio vai falar, definindo inclusive os diversos cargos que ocupou na formação da nossa Associação Rural, dos seus companheiros, trabalho, de pessoas importantes nessa época. E também desde os primórdios até quando possa se lembrar, desde Monsieur Vincent até Vidal Neto e Dr. Marcos Ribeiro, que foi um dos pioneiros, e outras personalidades. Falando também sobre a Associação (infelizmente perdemos boa parte dos arquivos em incêndio) e também dando a importância devida a cada uma dessas personalidades. Posteriormente, irá se estendendo numa entrevista livre, como se fosse um depoimento, uma autobiografia.
R: Eu me sinto envaidecido com a entrevista do amigo jornalista. É para mim uma honra muito grande este convite. E vou procurar, então, rapidamente, porque em quase noventa anos de existência teria bastante o que relatar sobre a matéria que me foi proposta. Falaria primeiro que existem partes do desenvolvimento da vida da gente e também das instituições.
Nasci e me criei no meio rural. Sou, portanto, um caboclo nato e por isso apaixonado pela natureza. Estudei direcionado já nesse sentido, procurando compreender melhor (e desenvolver através dos conhecimentos adquiridos) alguma coisa no sentido de fazer algo para o engrandecimento da classe rural. Sou portanto um preservacionista nato e tudo fiz na minha vida no sentido de preservar a natureza. E fiz isso por intuição, porque os conhecimentos em ecologia mais avançados são recentes, relativamente recentes. Mas eu diria que as primeiras instituições em favor do desenvolvimento rural ocorreram com a criação do Posto Zootécnico, onde o Dr. Vincent, que era um zootecnista belga, foi encarregado de modificar com os seus conhecimentos trazidos da Europa, as dificuldades existentes para o homem do campo e foi feliz, porque introduziu raças mais produtivas, consideradas nobres, assim como forrageiras também. E sobretudo métodos de criação, defesa sanitária. O primeiro banheiro foi feito, na estação do próprio Posto Zootécnico. Depois, o segundo deve ter sido na fazenda São Roque, que era propriedade do coronel Aristiliano Ramos, depois na casa do meu saudoso pai, o sr. Severino Ribeiro, e assim começamos o combate aos ectoparasitas, que eram inimigos naturais dos rebanhos naquela fase do início do século passado.
P: O senhor se recorda o ano que Monsieur Vincent chegou a Lages?
R: 1912. Em 1912 ele começou o trabalho e em 1913 chegaram os primeiros animais da Europa. Esses animais deveriam ser aclimatados e distribuídos por empréstimo, ou vendidos. Os criadores de então não foram bem sucedidos, com exceção de raças que ainda permanecem hoje, como a raça Flamenga.
P: Quando Monsieur Vincent, quais raças que ele trouxe? Parece que vieram de navio e o senhor está dizendo que não se adaptaram. Eu gostaria que o senhor falasse sobre isso. É muito interessante.
R: Ele, o Dr. Vincent, trouxe consigo para o Posto Zootécnico várias raças e várias espécies. Não foram só os bovinos, ele trouxe equinos, caprinos, ovinos e acho que até aves e forrageiras. Entre as raças, a primeira que deu entrada, que é a única que ainda está na repartição, foi a raça Flamenga, mas trouxe outras, como a raça Jersey, a Devon, a Hereford e a Aberdeen. Esse gado foi elevado para fazendas que não tinham tradição e que não assimilaram imediatamente os conceitos e as orientações de Vincent e foram atingidas severamente pelos ectoparasitas e a falta de alimentação adequada. Talvez pelo pouco caso dos proprietários de então, desapareceram, naquele primeiro momento. Mais tarde, evidentemente, elas voltaram com força. E hoje, a Flamenga está restrita ao pequeno núcleo da Estação Experimental.
Outras raças europeias, seja do continente, seja da Grã Bretanha, se desenvolvem com pujança, com grande qualidade, animais de grande qualidade que atestam nossas exposições. Esse foi um período em que ele próprio, Vincent, deve ter estimulado os criadores mais animados da época, dentre os quais o Dr. Valmor Ribeiro, o coronel Vidal Ramos Neto e muitos outros. Seria injustiça eu me referir apenas aos dois. Não posso mencionar todos, mas entre muitos o Hortêncio Camargo Rosa, que foi o introdutor do Charolês, o Virgílio Ramos. Não sei se o seu Tito Bianchini na época estava atuando. Se não me engano, também o Nenê Ramos foi um deles e, afinal, muitos outros. A elite da época se reuniu na União dos Criadores, que foi a primeira entidade de classe fundada. Com Vincent fizeram a primeira exposição pecuária, no campo que pertencia ao próprio posto, hoje onde está o Ginásio Jones Minosso.
P: Em que ano foi a primeira exposição?
R: A primeira exposição foi em 1920, em torno de 1920.
P: Vou fazer uma pergunta jornalisticamente curiosa: Monsieur Vincent ficou aqui algum tempo, ou voltou? Qual foi o fim dele, vamos dizer assim?
R: Ele veio e ficou muitos anos aqui. Eu não o conheci pessoalmente, mas era amigo pessoal do meu pai e sei que meu pai o visitava, parece que também foi visitado por ele. Com certeza foi visitado, não me lembro por ser muito criança ainda, mas o meu pai procurou adotar os conhecimentos que ele trouxe, entre outras coisas, um silo de trincheira (que não deu certo) e fez um banheiro, como eu já falei. Foi o marco histórico da nossa propriedade. Foi ele que construiu aquela mansão que ainda existe ali, sede do Ministério hoje, de estilo belga, e deve ter ficado aqui até 1925 ou 1928, quando foi realizada a Segunda Exposição Agropecuária.
Essa Segunda Exposição foi realizada no mesmo Campo de Demonstração do Ministério da Agricultura, ainda a céu aberto. Não haviam pavilhões. Dessa eu já tenho lembrança, me recordo que até acompanhei meu pai, onde ele levou um reprodutor da raça Flamenga cujo nome era Tirol, um touro muito lindo, vermelho e branco, e levou também um zebuíno. Aí já era um grupo diferente, já estavam, entre outros, o José de Melo César, o Zequinha Zuza, trazendo um gado Charolês de boa qualidade. Já apareceram raças definidas. Não só a Flamenga, mas também apareceu o Charolês. Esta exposição se caracterizava por apresentar animais fenomenais, bois carreiros mais pesados, vacas machorras de grande peso e animais com algum problema teratológico. Parece que um dos mentores da exposição foi o Virgílio Ramos e um grupo que o cercava, todos meio aparentados. Depois veio a crise muito forte e houve então um retrocesso desse trabalho que vinha sendo feito. Seria a crise de 1929 até 1932. Aí eu acho que o pessoal estava numa situação dificílima (economicamente, como todo o país) e a pecuária ficou em estado latente, o próprio Posto foi regredindo. O Vincent, para continuar a responder a sua pergunta, foi nomeado pelo Ministério da Agricultura como Inspetor Chefe da Região Sul, pelo menos dos postos zootécnicos de Lages e Ponta Grossa, e por isso até concluir seu mandato ficou em Ponta Grossa, penso até que faleceu em Ponta Grossa. Se deve ter voltado à Bélgica, não sei. Mas se tornou um cidadão brasileiro por adoção e então o trabalho dele foi muito importante a nível de Lages e também do Sul do Brasil. Por isto, ele foi até Ponta Grossa e ficou tempos lá, ficou ligado a Ponta Grossa.
P: A primeira Exposição da Associação Rural foi no Morro do Posto?
R: A primeira e a segunda também, isso em deve ter sido em 1940.