Carlos Roberto Andrade Lopes – Presidente de 88 a 94 e de 2000 a 2006

Dr. Carlos Aberto Roberto Lopes que foi presidente do Sindicato Rural, conhecido pela sua dedicação à pecuária, também odontólogo famoso.

P: Carlinhos, vamos começar à vontade, livremente, falando sobre sua vida a partir até mesmo da infância, seus primeiros dias, primeiros contatos, familiares ou pessoais, com a pecuária em Lages. Principalmente com as fazendas, onde residia, o que fazia, contando episódios dessa época, quando você começou a tomar consciência da atividade rural tão nobre, atividade rural às vezes depreciada.

R: Não poderia deixar de dar início desses raciocínios, sem antes dizer realmente minha origem. Perdi minha mãe quando tinha sete anos de idade. Isso foi em 1946, ela com 26 anos de idade. Eu e mais duas irmãs fomos morar com o meu avô, Gaudêncio Pereira de Andrade e dona Conceição Branco de Andrade. Foram quem nos criaram, deram educação, nos encaminharam na vida. Enfim, aquele afago, nem sempre tão carinhoso como dos pais (e isso é natural), mas nunca nos faltou absolutamente nada.

As coisas andam de tal forma, que quando aconteceu o fato, eles não poderiam ficar muito tempo na cidade porque tinham seus afazeres na fazenda. Então o que aconteceu? Aconteceu de contratarem uma professora, a dona Malvina, lembro até hoje que nos dava aula em todo período da manhã, dentro do calendário normal, com reconhecimento das escolas na época.

Fui me entrosando e gostando das lidas campeiras. Sempre fui assim muito de ver as coisas com outro espírito, sempre pensando nas transformações de um mundo muito dinâmico. A gente tem que caminhar, fazer as coisas e fiquei ali com o velho Gaudêncio muitos e muitos anos. Aprendi aquela lida toda que existia de campo, lá naquela época. Bastante terra, um gado ligeiro, embora manejado. A forma de trabalhar o gado completamente diferente dos dias de hoje. Naquela época, nem brete havia. Você derrubava aqueles animais pesados todos no laço e, diga-se de passagem, ele tinha uma equipe de 4 ou 5 homens que moravam com ele. Nesse ponto, muito atencioso, gostava muito dos peões, dava condições de vida. Ali a gente começava a derrubar aquele bicharedo todo e dar sal goela abaixo com cinza e alho.

Lembro que em dia de chuva (eu ainda como piá) minha incumbência era sovar alho e misturar com sal. Quer dizer: deixar prontinho para o dia da lida. Era um trabalho árduo, penoso, mas tinha o lado agradável, porque o velho era muito eficiente nas suas atitudes e não admitia que um homem corresse de um animal, fugisse. Teria que realmente aguentar o chascão e ir pra frente! A gente passava uma semanada fazendo esse tipo de trabalho. Era um trabalho sensacional. E eu, guri, não ia muito à mangueira com os animais maiores. Quando chegava a terneirada de um ano e meio pra baixo, ele não permitia que se ficasse na taipa. Você tinha que vir a serviço. E aí fui aprendendo. Ele foi um homem que tinha animais de trabalho de uma qualidade extraordinária. Tinha uma tropilha de quatorze baios e baias, onde se colocasse o cabresto você saia a cavalo. Nós saíamos da fazenda (era a Fazenda Primavera, na antiga BR 2) e íamos numa direção em linha reta até onde tenho a minha Cabanha Vacas Gordas. Parte foi doada por ele, parte adquirida por mim mesmo. Então a gente ia nessa caminhada e aproveitava a saída em domas dos animais: no momento em que ia enfrentar, ou quebrar o queixo dos animais. Ele sempre atrás, ensinando: “vira para a esquerda, vira para a direita, faz uma pegada ali, uma brocha”. Então tinha um carinho todo especial com seu neto.

P: Eu ia te perguntar sobre o tipo de instalação e o tamanho da fazenda (aproximado) e também sobre as particularidades do gado geral. Mais ou menos que tipo de gado era? Você falou nesses animais baios. Sempre pergunto sobre cavalos. Com que cruza, que tipo de cavalos que eram?

R: A cruza, que na época eles chamavam de Cavalo Crioulo, porque nasciam na propriedade. Hoje temos o Crioulo, raça específica, muito conhecida. Na época a gente chamava Crioulos animais que devem ter vindo pelos espanhóis, pelos portugueses. Lembro muito bem que a animalada dele era uma coisa extraordinária. O gado que ele criava era de uma qualidade extraordinária e sempre pintava a cruza de raça Durhan, o Shorthorn, conhecido por nós. Numa outra época ele criou animais puros, com peso extraordinário.

Ele invernava aqui na BR 116 onde era do tio Ulisses Andrade, (na época BR 2). Ali era uma invernada de seis milhões de terra. Nós íamos a cavalo, e sempre tinha 150 bois da maior qualidade possível. Ele era muito caprichoso. Em época de venda, o tropeiro era o senhor Mancílio Figueiredo ou seu Teófilo Schultz. Isso lembro bem. Eles entravam naqueles rodeios lá e iam olhando, olhando. Aos poucos eles começavam a se mexer, iam repontando um boi pra um lado, um boi pra outro, deixavam um magrinho lá na frente, apartavam setenta, oitenta, noventa bois, e nós vínhamos para a fazenda. Invernadas sempre grandes, nunca menos de três, quatro milhões de m² de terra. Justamente o contrário do que se faz hoje.

No fundo ele tinha também uma parte de gado de cria, sempre teve entusiasmo, um homem muito laçador e nisso ele me incentivou muito. Ele era um bom laçador, muito trabalhador e me ensinou muito na vida. Aprender e não tinha moleza. Eu terminava minhas provas de ginásio, terminava de tarde. No outro dia eu pegava um ônibus, duas, três horas e me mandava. E ficava na fazenda, fizesse sol ou chuva eu ia. Era obrigatório.